CityPenha Fevereiro 2015 - page 60

Fevereiro / 2015 - nº 93
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Redescobrindo
oViver
C
rônica
DonaAfrania e donaAssunta, a vida toda, pratica-
mente, foram vizinhas. Suas casas eram paredes co-
ladas. Os dois quintais eram separados por ummuro
não muito alto construído de maneira cooperada. As
duas, semprequandodavaumabrechana lidadas suas
casas, tricotavam, ou na melhor tradução: conversa-
vam animadamente o seu entediante dia a dia tendo o
muro das suas casas como fiel testemunha. Embora,
dona Afrania e dona Assunta, tivessem uma porcaria
de vida resumida sem graça, zero de motivação, cul-
tivavam uma grande amizade, talvez o que ligava as
duas eram suas parecidas histórias, que ambas viviam
com as tranqueiras dos seus maridos, maridos estes
desprovidos de qualquer virtude.
DonaAfrania e donaAssuntinha, assim que todos
chamavam donaAssunta, pelo fato dela ser miudinha
e magrinha. Apesar deste rodamoinho de frustrações
das duas, erammuito trabalhadeiras, zelavam da casa
e da família com devota dedicação. E olha que dona
Afrania e dona Assuntinha já tinham passado dos 70
anos, nem por isso perderam a dinâmica das suasme-
lancólicas vidas.
Os vizinhos não se conformavam como as duas
eram enfurecidamente maltratadas pelos seus primiti-
vosmaridos.Oúnico lazer donaAfrania e da donaAs-
suntinha, era se dedicar a paróquia local. Nessas oca-
siões, o marido da donaAssuntinha, que nos mais de
50 anos de casados, nunca contribuiu em casa comum
único centavo furado, ainda não satisfeito, esbraveja
aos quatros ventos: "Já vai dar pro padre! "Vejam só
vocês onível dobucéfalo. Por suavez, ooutromarido,
quando bebia...ou melhor, sempre bebia, atropelava
dona Afrania com absurdos e dandescos impropérios
de arrepiar defunto na cova. Não contente, muitas ve-
zes ameaçavamatá-la com uma faca de cozinha.
Com profunda resignação donaAfrania ia levando
commuita dignidade esta absurda vida de casada de
mais de 50 anos com este dandesco marido...Rascu-
nho de gente.
Parece que o destino da dona Afrania e da dona
Assuntinha combinaram e ofereceram as chaves da
libertação para as duas. Num intervalo mais ou me-
nos de 40 dias os dois tranqueiras deixaram a Terra
mais leve e feliz. Morreram. Os dois agora são um
peso, um grave problema para o capeta. O marido
da dona Afrania morreu de um ataque cardíaco ful-
minante, e o marido da dona Assuntinha, morreu de
tanto consumir cachaça.
Resumo da ópera operária: Depois da morte das
duas horripilantes figurinhas, donaAfrania e donaAs-
suntinha remoçaram vinte anos. Atualmente sempre
encontramos as duas, saltitantes pelas ruas da vizi-
nhança com roupas vistosas e coloridas. Seus progra-
mas não se restringem mais em só assistir missas e
se dedicar a paróquia, diga-se de passagem, o vigário
tem se queixado. Elas não têm se dedicado tanto a pa-
róquia. Elas têm feito outros programas interessantes.
Como viajar. Ir ao cinema. Ir ao teatro. Não é que as
duas descobriram uns baladeiros damelhor idade.
Outro dia passando pelas duas, antes mesmo de
cumprimentá-las, sem querer - como diria o
lendário personagem infantil Chaves - queren-
do, peguei uma carona na conversa das duas.
Estavam combinando no próximo fim de sema-
na dar uma chegada noClube dasMulheres.
ReinaldoAp. deMoraes •
Cronista, ator ediretor teatral
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