CityPenha maio 2015 - page 26

Maio / 2015 - nº 96
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Traste
C
rônica
O Senhor Everaldo podia ter se aposentado quando
completou 50 anos. Ele começou a trabalhar com carteira
assinada - sonho de toda mãe - aos 14 anos, como apren-
diz de torneiro mecânico. Depois de alguns meses na fun-
ção, seu patrão, percebendo do seu esforço e dedicação,
patrocinou um curso de torneiro mecânico no Senac, cur-
so este que durava 1 ano. O jovem Everaldo, trabalhava
durante o dia e a noite se dedicava com afinco a estudar
a arte de manipular o torno. Ele foi um aluno exemplar.
Sua dedicação valeu a pena. Depois de concluído o
curso seu salário melhorou bem... E no decorrer dos anos
foi sempre melhorando. Tanto é verdade, que o senhor
Everaldo, sustentava bem sua casa com o sagrado ganho
obtido com orgulho gerado pela sua profissão de torneiro
mecânico, como também colaborou muito para que seus
filhos, dois casais, se formassem em curso superior: dois
advogados, uma médica e uma arquiteta.
Sua terna e dedicada esposa dona Das Dores era só
orgulho por ter um marido tão especial assim. Tanto
era verdade que o senhor Everaldo era tão especial, que
ele conseguiu juntar um dinheirinho, comprou um mo-
desto terreno no tradicional bairro Penha de França, e
algumas horas da noite depois de um árduo batente e
nos finais de semana inteiro se dedicou a construir a
casa da família.
Os anos se passaram...E como se passaram... Passa-
ram muito rápido! Seu Everaldo chega aos 70 anos. Fi-
nalmente chegou a hora do dedicado torneiro mecânico
parar, afinal, ele já trabalhou 20 anos além do tempo de
se aposentar. O senhor Everaldo, o que ele só quer agora,
é curtir os anos que ainda lhe restam de vida no paraíso
da sua casa ao lado da sua amada esposa dona Das Dores.
Nos primeiros dois meses até que tudo ia bem. Ele
até teve alguns paparicos da sua esposa e dos seus quatro
filhos, embora, todos já casados, com vida própria, bem
sucedidos nas suas profissões, sempre o visitavam. Quan-
do passou os 3 meses, o senhor Everaldo já começou a ser
rejeitado, sendo tratado por todos, principalmente, pela
sua querida esposa, como um traste, um inútil sem nenhu-
ma serventia. Dona Das Dores vivia implicando com ele,
principalmente quando era o dia da faxineira. “Aqui não
pode ficar... Alí também não pode ficar. Como sempre a
faxineira é a ídala da dona de casa sempre tem razão para
o desespero dos maridos”.
Não era verdade que o senhor Everaldo era um traste,
um inútil, cometia com ele uma tremenda injustiça. O po-
bre do seu Everaldo, vivia trocando lâmpadas, fazia a fei-
ra, pintava a casa, levava e buscava os netos na escola. Ele
se sentia totalmente incorporado na pele do famoso Jack...
Já Jack não está fazendo nada...Faz isso...Faz aquilo.
Certa manhã dona Das Dores percebendo que o ma-
rido não apareceu para tomar o café com ela, achou que
ele estava no quintal e foi chamá-lo. Nada. Foi até o quar-
tinho das bagunças. Nada. Quando ela entra no quarto
do casal na esperança de encontrá-lo percebe as portas
do guarda roupa abertas com alguns cabides ausentes de
roupas, dirigindo seu olhar para o alto do guarda roupa,
a mochila de estimação do Sr. Everaldo já não
estava lá, quando seus olhos, em um preciso
zoom, dirige-se a cama, dona Das Dores viu um
bilhete. Ela pega o bilhete e lê sua única frase
escrita: “O traste e o inútil do seu marido foi ser
feliz! Everaldo.”
Reinaldo Ap. de Moraes •
Cronista, ator e diretor teatral
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