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Março / 2018 - nº 130
Roberto de Jesus Moretti
• Bacharel em Direito pela Universidade de
São Paulo, Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública •
para a esposa, apesar do reforço ter chegado, ainda demoraria para
que os localizassem ali no interior da favela. Afinal, não sabiam se
os criminosos iriam oferecer resistência ou simplesmente se escon-
der dos outros policiais e também emboscá-los. Colocando a mão no
bocal do celular, para impedir que Solange ouvisse sua conversa com
Aparecido, Carlos disse,
-- Cido! o reforço chegou, vê se consegue
sair de fininho e chega até o pessoal, depois, vocês voltam para me
buscar! Eu não sinto minhas pernas e não conseguirei sair daqui
sem ajuda. Você não pode
... Aparecido nem deixou Carlos terminar,
-- Carlão, nem pensar, nós somos parceiros há quase quatro
anos, não vou deixar você nessa fria sozinho... Chegamos até aqui
juntos, sairemos daqui juntos...
-- Cido, não vou durar muito, talvez mais uns quatro minutos...
se manda homem...
-- Meu..., fala com a Solange aí e deixa comigo... me passa seus
carregadores eu garanto a entrada...
Carlos jogou os dois carregadores reserva de sua pistola .40, para
Aparecido e ficou apenas com a arma e o carregador principal com os
cinco tiros que restavam. Voltando-se para o celular, disse,
-- Amor, você ainda está aí?
-- Estou sim Carlos, estou sim....
-- O reforço está chegando, o Cido não quer ir ao encontro deles
e vai ficar aqui comigo, já falei para ele ir; mas você sabe como ele
é turrão...(tosse)
-- Que bom que você está aí com o Aparecido, sempre lhe disse
que ele era um dos melhores colegas que você já teve...
-- Amor, canta aquela canção para mim...
--Você deve estar delirando Carlos... Isso lá é hora de se cantar!!...
-- Amor, aquela canção que você vive sussurando pela casa
quando está distraída... por favor... cante... sua voz é linda...
Sabendo o que estava por vir, com a voz embargada, tentando
controlar sua emoção, Solange, baixinho, passou a cantar:
Close to
me / Oh I need you close to me / Loving me / Close to you / How can
I get close to you / Help me to / (...soluços...) / Each and every night
I pray / You'll come and save my life / I would love you / Till the end
of time
.... Do outro lado Carlos sussurrou para ela: te amarei para
sempre... Então seu braço amoleceu, sua mão relaxou e o celular caiu
no chão do barraco. Solange não ouviu mais a voz do marido; e, per-
cebendo o que acontecera, deixou de cantar e chorou...
No dia seguinte os jornais noticiariam que um policial-militar e
dois suspeitos morreram num “suposto tiroteio” durante a madrugada
no interior da favela do “Jacaré rabudo”. Especialistas em segurança co-
mentariam que os policiais não deveriam entrar nas comunidades sem o
devido apoio; outros especialistas criticariam a violência policial, apre-
sentando os números dos civis mortos pela Polícia ao longo do ano...
Em sua casa, tendo por companhia uma policial-militar de rela-
ções públicas da Instituição, abraçada à pequena “nina”, segurando
o celular, Solange assistia à televisão vendo tudo que diziam da mal-
fadada ocorrência. Ela sim, sabia exatamente o que acontecera com
seu amado Carlos...
C
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