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Dezembro / 2017 - nº 127
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Vaqueiro ficou olhando aquela mulher, não mais que trinta
anos, cabelo compridos, lisos e castanhos, olhos castanhos claros
e dentes de uma brancura que pareciam saídos de um comercial de
creme dental. Sem se fazer de rogado disse, -- Olha dona, seja qual
for sua pressa, é melhor ficar a par do tipo de tráfego que existe
nas estradas dessa região. Rotineiramente você encontrará gado
ou outros rebanhos as cruzando. Então dirija com atenção e menor
velocidade. E, tenha um bom dia!! Virou nos calcanhares em dire-
ção ao seu cavalo que estava parado no mesmo lugar que o havia
deixado quando conseguiu controla-lo, quando a juíza gritou para
ele, -- e quando essas vacas sairão da estrada para que eu possa
passar? Ele respondeu, -- mais uns dez minutos! Subiu em seu
cavalo e foi observar o gado atravessar a estrada no mesmo lugar
onde se encontrava antes de ver a poeira se aproximando.
Cada um seguiu sua direção pensando que o outro era por
demais arrogante. No entanto, agora, a juíza ia na estrada com
mais cautela.
Chegando na cidade, guiada pelo GPS da pick-up em funcio-
namento novamente, facilmente encontrou o fórum e identifican-
do o estacionamento localizou a vaga destinada ao juiz. Abriu,
desceu e fechou a porta, não antes de pegar sua bolsa e um envelo-
pe pardo grande. As malas, que estavam na caçamba, pegaria de-
pois quando se instalasse provisoriamente num hotel até escolher
sua residência definitiva na cidade. Seguiu até a entrada do fórum,
localizado num prédio novo e dotado de grande fachada de vidro
espelhado. Ao entrar no salão pode sentir a diferença de tempera-
turas. Lá fora um calor escaldante e dentro uma temperatura de
outono. Viu um grupo de mulheres bem trajadas, umas sentadas
outras em pé, conversando baixinho. Mas, a conversa parou quan-
do viram a mulher alta e esguia com cabelos compridos e soltos
chegando e se dirigindo ao balcão do cartório.
O escrivão chefe-do-cartório que estava absorto em seus afa-
zeres parou ao perceber o término do burburinho e voltando sua
cabeça para a direção do salão viu a bela mulher se aproximando.
Ela parou defronte ao balcão e perguntou pelo chefe do cartório.
O homem magro, cabelos pretos engomados usando óculos fundo
de garrafa, armação escura e grossa que a olhava logo se levan-
tou, aproximou-se dela e identificando-se como tal indagou o que
desejava. Ela, com firmeza, respondeu tratar-se da nova juíza da
comarca e entregando a ele o envelope pardo disse que ali esta-
vam suas credenciais. O homem abriu o envelope, conferiu tudo
e voltando-se para a juíza, disse, “seja bem-vinda doutora! Nós
aguardávamos ansiosamente a chegada do novo juiz”. Ela agrade-
ceu dizendo que gostaria de ir para sua sala e se preparar para as
audiências do dia. O chefe-do-cartório respondeu que naquele dia
não haveria audiência, pois era quarta-feira, e o juiz que acumula-
va as comarcas só as fazia ali às terças e quintas-feiras. Ao entra-
rem na sala ela virou-se para o homem e indagou, “se hoje não há
audiências o que fazem aqui aquelas mulheres que vi na entrada?”
O cartorário respondeu tratar-se de um grupo ativista em defesa da
família e dos valores morais da cidade que estavam vindo todos os
O Vaqueiro, a Juíza e Dona Chiquinha
C
onto
Esse “causo” me foi dito por um amigo que recebeu de um
amigo que o conheceu por outro amigo...
... em algum lugar no interior do País, Romero era mais conhe-
cido como “Vaqueiro”; apesar de também ser chamado de “coro-
nel Romero” pelo fato de ter uma fazenda de gado na região, além
de ser militar aposentado; o que poucos sabiam naquelas paragens.
Após retirar-se da carreira militar, decidiu fazer o que mais
gostava: agropecuária! Negócio que aprendeu com seu pai na in-
fância e juventude e que agora herdara. Em sua propriedade sen-
tia-se muito à vontade, não tendo nenhum melindre em fazer os
mesmos serviços que os peões seus contratados. Acordava cedo,
encilhava seu cavalo e saía para vistoriar as instalações da fazen-
da, além de ajudar a mover o gado para as áreas de pastagens e, ao
final da tarde, trazê-lo de volta.
Numa manhã, observava o rebanho cruzar a estrada que di-
vidia a sua fazenda quando notou um grande rastro de poeira que
vinha rapidamente em sua direção e das reses. Concluiu, sem
dúvida, que era um carro em alta velocidade. Nada incomum na
região; porém, incomum para o horário. Sem pestanejar galopou
na direção oposta ao veículo pretendendo fazê-lo parar antes que
acontecesse um acidente. Estancou no meio da estrada e tirando
seu chapéu de aba alarga da cabeça acenou insistentemente para
que o motorista parasse! O que, aparentemente, não aconteceria!
Menos de 30 metros dele, o veículo freou bruscamente desviando
para a esquerda, quando então parou! Com o movimento brusco
do veículo o cavalo de Vaqueiro empinou e ele teve de largar seu
chapéu para controlar o animal. O que o deixou irritado! A poeira
levantada pelo veículo, que agora parara, cobriu a ambos, fazendo
Vaqueiro tossir, deixando-o ainda mais irritado.
Apeou de seu cavalo e, em meio a poeira que baixava, seguiu
em direção ao veículo que estava em diagonal na estrada. Olhou
para o lado direito e viu seu chapéu caído com o cone para baixo,
agachou e o pegou, batendo-o em sua perna esquerda para tirar
o excesso de poeira e o recolocou na cabeça. Aproximou-se do
carro, uma grande pick-up cabine dupla com película escura nos
vidros; e, chegando no lado da porta do condutor bateu com a mão
direita no vidro, dizendo – ô maluco! Quer fazer o favor de abrir
esse vidro para que eu possa lhe dar um soco! Você quase se mata
e me leva junto! Que velocidade é essa nessa estrada de terra bati-
da! Aqui vira e mexe tem animais cruzando a estrada! O vidro da
porta do condutor foi abaixando vagarosamente e Vaqueiro per-
cebeu que o motorista era uma mulher, a qual, assim que o vidro
desceu completamente disse, -- quem o Sr. pensa que é para me
ameaçar com um soco? O Sr. Não faz a mínima ideia de com quem
está falando! Sem pestanejar Vaqueiro respondeu, -- faço ideia
sim senhora! Estou falando agora com uma maluca! Que quase se
mata e ia me levar junto! A mulher na pick-up, respondeu, -- Sr.
Cowboy! Maluco é o senhor que saiu a cavalo na direção de um
veículo em movimento e não eu! Aliás, eu sou a nova juíza da ci-
dade e pretendo chegar ao fórum antes que ele abra para conhecer
os funcionários!
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