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Dezembro / 2017 - nº 127
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dias no fórum, na última semana, para falar com o novo juiz. Ela
indagou de mais detalhes, porém ele preferiu que a comitiva lhe
explicasse tudo. Então pediu uns vinte minutos para lavar o rosto
e arrumar os cabelos para então atender a comitiva.
O cartorário levou cinco das mulheres do grupo à sala da
juíza. Elas entraram, a cumprimentaram e a parabenizaram pela
chegada à cidade; ao que a autoridade agradeceu e retribuiu. Sem
mais delongas pediu que explicassem sua demanda. Uma mulher
de uns quarenta anos, um pouco baixa e acima do peso, vestindo
um elegante tailleur bege que lhe aumentava o volume corporal,
se adiantou dizendo-se representante do grupo para o assunto que
queriam tratar. O problema girava em torno dos negócios da Dona
Chiquinha, que administrava uma casa de tolerância com mulhe-
res de baixa reputação que ficava numa área fora da cidade, mas
que com ela fazia divisa. Muitos homens da cidade a frequenta-
va, o que atentava aos valores da família e aos bons costumes da
cidade, que apesar do pouco tempo de existência, sua sociedade
tinha de ter uma posição firme quanto à moral local. No momento
em que terminava a fala, a energia elétrica acabou e o sistema de
ar-condicionado parou; ao que uma das mulheres mais velhas do
grupo disse para a juíza ir se acostumando pois era corriqueiro a
interrupção da energia na cidade, chegando a durar até 48 horas.
Diante disso a juíza pediu maiores detalhes da Dona Chiquinha
e seu negócio; no entanto, o calor foi aumentando e, com os da-
dos que já dispunha agradeceu a visita dispensando as mulheres
e garantindo que adotaria providências. A comitiva saiu e a juíza
pediu ao cartorário que viesse até sua sala. A temperatura outonal
já fora substituída pela de verão em elevação, o que começava a
incomodar. O cartorário confirmou o falado pelas mulheres sobre
a energia elétrica e explicou que o fórum não dispunha de gerador,
o que já fora pedido inúmeras vezes na capital, mas, nada até o
momento e, como o ano se encerraria em dois meses, com certeza
não chegaria naquele ano.
Dona Chiquinha cuidava dos negócios numa antiga casa
grande de fazenda com um amplo salão e dezenas de cômodos,
especialmente quartos; mas, com a diferença que fora transforma-
da numa espécie de hospedaria, com 3 bares temáticos além de
muitos sofás e poltronas espalhados pelo salão. Os porões foram
convertidos em áreas de cozinha, dispensa e salas de sinuca e car-
teado. A temperatura em todo o casarão era amena, mantida por
um eficiente sistema de ar-condicionado, que continuaria a fun-
cionar mesmo sem a energia elétrica da concessionária pois, Dona
Chiquinha instalou dois geradores autônomos. Afinal, seu negócio
não podia parar.
A juíza chegou defronte ao casarão e não viu nada de mais
“apenas um casarão de fazenda antigo”, pensou. Mas ao entrar
ficou deslumbrada com a elegância e harmonia do ambiente. Uma
jovem e bonita recepcionista, muito bem trajada, a recebeu cum-
primentando-a e indagando o que desejava. “Não era incomum
mulheres virem ao casarão procurarem seus maridos ou, no caso
daquela bela mulher que chegara, procurar emprego com D. Chi-
quinha” pensou. A juíza se identificou de pronto e pediu para falar
com D. Chiquinha, o que surpreendeu a recepcionista que logo foi
chamá-la.
Cinco minutos depois Dona Chiquinha chegou e viu a doutora
em pé aguardando. A juíza olhou para a mulher, uma senhorinha
de 1,60 m de altura, cabelos curtos prateados, em torno de 70 anos,
um pouco acima do peso, que na juventude teria sido uma linda
mulher, mas que hoje passaria pela avó meiga e fazedora de boli-
nhos de chuva de qualquer neto. A doce senhora cumprimentou a
juíza e perguntou a que devia a honra de sua visita. Sem rodeios
ela respondeu que recebera uma petição para fechar o estabeleci-
mento. Calmamente, a senhorinha perguntando e já afirmando, fa-
lou que o pedido teria vindo da sociedade das mulheres pela famí-
lia e bons costumes da cidade! A juíza concordou. D. Chiquinha,
educadamente, disse que não se preocupava com a liminar e que
a doutora deveria prosseguir com sua decisão e convidou-a para
conhecer o estabelecimento. Meio sem jeito a autoridade aceitou
o convite e foi levada às instalações. Tudo muito bem arrumado e
com detalhes em cada canto que lhe destacavam a elegância. As
moças que via, sempre bem vestidas, estavam maquiadas e mui-
tas, numa das três salas temáticas, usavam notebook, o que cha-
mou a atenção da juíza que perguntou sobre isto à velhinha. Ela
explicou que a rede “Wi-Fi” do estabelecimento era a melhor da
cidade e nunca caía por falta de energia devido aos geradores que
instalara. Isto motivava a visita de muitos dos frequentadores da
casa; em geral homens de negócios que, de passagem, precisavam
de descanso e uma boa rede de internet para se comunicar com
o mundo. A visita se encerrou e a juíza disse que em alguns dias
o oficial de justiça traria a intimação para fechamento liminar da
casa. As mulheres se despediram.
O ano estava para se encerrar e como previra o cartorário o ge-
rador não chegou para o fórum e as quedas constantes de energia
tornavam o trabalho da juíza praticamente infernal.
Após dias na cidade ela descobriu um elegante restaurante
onde jantava todas as noites. Local discreto, aconchegante e bem
refrigerado, pois tinha gerador. “Pelo visto somente o fórum não
dispunha de gerador naquela cidade”, pensava todas as vezes que
lá ia para jantar.
Certa noite, já no meio de seu jantar, viu um homem alto
com botas e chapéu de aba larga todo empoeirado entrar no es-
tabelecimento. Reconheceu-o de pronto! Era o peão arrogante
que encontrara semanas antes. O homem passou os olhos pelo
recinto acenou para alguns clientes e viu a juíza sentada. Seguiu
até ela e disse, “ora, ora, se não é a juíza piloto de corridas”. Ela
respondeu, “ora, ora, se não é o peão maluco que cavalga em di-
reção aos veículos da estrada...” e, emendou, “acho que o senhor
está no lugar errado, este não é ambiente para um peão sujo de
poeira...” sem perder o sorriso ele respondeu “não se preocupe
doutora eu não vou incomoda-la por mais tempo! Tenha uma
boa refeição!”. Virou-se sorrindo e seguiu em direção a uma ala
privada do restaurante.
Contorcendo-se de curiosidade ela chamou o gerente e per-
guntou como eles permitiam o ingresso de pessoas daquele tipo
num estabelecimento tão fino? O gerente tranquilamente respon-
deu que aquele peão era o “coronel Romero”, um dos grandes
criadores de gado da região e ele tinha uma sala de jantar exclu-
siva no restaurante. A juíza, boquiaberta, agradeceu dispensando
o gerente. Encerrou seu jantar, pagou a conta e foi para sua casa.
Véspera de Natal, a energia elétrica na cidade caiu novamente
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