CityPenha novembro2015 - page 15

15
Novembro / 2015 - nº 102
Flávio:
Todos gostavam. Minha avó e meu avô eram
muito ligados ao São Paulo Futebol Clube, o porque eu
não sei. Eles faziam quermesse na Igreja da Vila Esperan-
ça, minha avó e minhas tias faziam comida e todo o di-
nheiro arrecadado era doado ao São Paulo que era um time
pobre. O Leonidas e o grande time do São Paulo dos anos
40, iam lá pegar a grana, para se manter. O São Paulo era
conhecido como o mais querido porque vivia de doações.
CityPenha:
Então você nasceu São Paulino?
Flávio:
Eu nasci debaixo de uma bandeira que deveria
ser do São Paulo, mas quando eu comecei a ter ideia do
que era o mundo, o Pelé era o cara. Em 59, o Santos jogou
com o Palmeiras o supercampeonato e a única televisão
do bairro era da minha tia, com Bombril na antena (risos).
Eu fui assistir ao jogo e estava todo mundo torcendo para o
Palmeiras e eu torcendo para o Pelé, nem era para o Santos.
Mas o Santos perdeu e eu chorei muito enquanto as pessoas
diziam: “viu seu tonto, você tem que torcer para o São Pau-
lo”. Foi quando começou meu apego ao São Paulo. Em 67
teve um jogo no dia 16 de dezembro, era um jogo que se o
São Paulo ganhasse ele seria campeão paulista em cima do
Corinthians, bastava ganhar. Eu fui ver jogo porque seria a
primeira vez que eu iria ver o time da minha família ser cam-
peão. O São Paulo fez 1 a 0 e faltando 15 segundos tomou
empate e perdeu o campeonato. Sai chocado do estádio, meu
time estava sendo campeão e faltando 15 segundos perdeu
tudo. Fui para casa e na época eu trabalhava na feira e a
gente recebia o nosso pagamento em cima do que vendia. Se
você vendia uma porção de berinjela, recebia berinjela. Eu
vendia banana, que embrulhavamos em jornal. Na primeira
semana de janeiro eu recebo meu cacho de banana, embru-
lhado no jornal da Gazeta Esportiva. Eu abri o jornal para
comer a banana e vi uma foto que me identificou. Tinha uma
crônica escrita “Esses malditos gols de dezembro”. Era uma
crônica do Horácio Marana, falando dos gols que acontece-
ram naquele dezembro. Foram vários gols nos últimos mi-
nutos que fizeram as pessoas se desesperarem. Eu comecei a
ler aquilo e chorava copiosamente. Chamei meu pai e disse:
“Pai o que é isso aqui que esse cara fez?” Ele respondeu:
“jornalismo, um texto jornalístico!” Eu falei para o meu pai
que era isso que eu queria fazer. Aquele cara conseguiu con-
tar para as pessoas o que eu senti sem me conhecer. Como eu
não poderia ser jogador de futebol porque não tinha talento,
vi um jeito de estar perto do futebol sem ter que ser jogador,
sendo um jornalista futeboleiro.
CityPenha:
Nesse momento você descobriu sua vocação e
o que você precisava para conseguir chegar lá?
Flávio:
Foi nesse momento. Meu pai disse que eu teria que
entrar em uma universidade, estudar para isso. Segui minha
vida e consegui fazer meu projeto virar. Fiz o primário no
Externato São José de Vila Matilde onde as irmãs me deram
uma bolsa de estudo. O colegial fiz no Estadual da Penha, e
exatamente em 1967 repeti de ano. Começaram aí as coin-
cidências, que digo sempre que Deus me ajudou. Repetir
de ano foi uma das maiores tragédias familiares, tanto que
em frente ao Cemitério da Penha tinha uma loja que vendia
carroça. Quando passavamos por lá o pessoal falava: “olha
lá, você vai puxar um desses. Repetiu de ano, burro”. Tudo
aquilo foi um grande plano de Deus. O tempo foi passando,
passando, eu fui estudando e entrei na faculdade. Primeiro
na FIAM e fui transferido para a Casper Libero, até que em
1970 eu comecei a fazer teste em várias rádios e TVs. Desde
a TV Globo até rádio comunitária. ATV Gazeta fez um teste
para contratar um narrador e um comentarista, e eu, claro,
me inscrevi. No dia do teste eu estava com pneumonia, tossia
muito e não passei. O cara que foi escolhido desistiu rápido
e eles fizeram o teste novamente, só que dessa vez só para a
faculdade Casper Libero e ainda só para alunos do terceiro
ano. E eu estava no terceiro ano por que repeti de ano em
67. Se eu não tivesse repetido não estaria no terceiro ano,
já estaria formado, fora da faculdade. Por isso eu disse que
era um projeto de Deus. Fiz o teste, fui aprovado e entrei na
TV Gazeta. Um cara que foi aprovado junto comigo foi o
Galvão Bueno. A partir dali as portas se abriram para mim.
Comecei a fazer um monte de coisas na TV. Depois fui para
a TV Record, e exatamente ontem (15/10) fez 38 anos que
eu estreei com Silvio Luiz no jogo Corinthians e Ponte Pre-
ta, que foi o divisor de águas da minha vida. Eu era com-
pletamente desconhecido e a partir daquele jogo minha vida
tomou projeção internacional graças a dupla com o Silvio
Luiz, que também ninguém sabia mais quem era. Ele tinha
ficado famoso, depois ficou desconhecido e estava fazendo
a direção da parte técnica da Record. Pegaram ele para fazer
uns jogos e a partir dali começamos a narrar. Em 78 eu já
estava fazendo Copa do Mundo e dali para frente não parei
mais. Foi exatamente desse jeito que a coisa rolou, meio fora
dos padrões né? (risos).
CityPenha:
É interessante que sua trajetória é realmente fo-
cada no futebol.
Flávio:
Só pelo futebol e pela Zona Leste. Se eu tivesse
nascido em outro lugar, dificilmente teria a mesma paixão.
Eu não tive outra escolha. Na época, ali no meu bairro, para
todos os meus amigos e todos os meus familiares o grande
objetivo era ser Torneiro Mecânico, nenhum amigo ou pa-
rente estudou, fez faculdade. O pessoal fazia curso primário
E
ntrevista
foto:divulgação
1...,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14 16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,...84
Powered by FlippingBook