capa125 - page 18

Outubro / 2017 - nº 125
18
Encontro no “Café”
C
onto
Mudei para a Penha há pouco tempo e como gosto mui-
to de um cafezinho, assim como a totalidade dos brasileiros,
descobri um elegante “café” defronte a um mercado do bairro.
Chama-se “Suely’s Café”; local pequeno, porém, docemente
decorado com motivos rurais. Pequenas mesas redondas com
duas cadeiras espalham-se pelo salão e prateleiras decoradas
com vaquinhas, galinhas e patinhos em cerâmica, madeira ou
tecido dão a boa impressão inicial para quem lá acomete pela
primeira vez. Após sentar-se à uma das mesas pode-se apreciar
sobre as paredes revestidas em madeira, diferentes quadros re-
velando paisagens rurais com animais, casas, homens e mulhe-
res trabalhando no campo, especialmente em fazendas de café.
Sobre o balcão pode-se ver a estufa para salgados e a vitrine
refrigerada para doces, ambas repletas com guloseimas deli-
ciosas e tentadoras; logo após, encostado à parede, outro bal-
cão suportando a máquina de café expresso, o moinho de café,
a geladeira, o micro-ondas, o liquidificador, o espremedor de
frutas e tantos outros utensílios necessários ao funcionamento
de um “café”.
Suely, a proprietária, é uma mulher forte, branca, alta, perfil
europeu, olhos e cabelos claros, aparenta uma idade madura,
mas, para mim nunca a disse; mesmo porque nunca perguntei.
Sempre chego ao “café” por volta das dez horas da manhã e
peço meu expresso com leite pequeno e Suely, alegremente, o
prepara. Ao longo das vezes que passei a frequentar o “café”
acabei por fazer uma amizade com ela e durante o tempo que
estou ali conversamos sobre vários assuntos do dia-a-dia.
Com o tempo me chamou a atenção o fato de ver, sempre
às quartas-feiras, sobre uma mesma mesa, duas pequenas xíca-
ras de café quente, as quais permanecem sobre ela até às dez
horas e trinta minutos, quando Suely as recolhe. Um belo dia
não aguentei de curiosidade e perguntei se as duas xícaras so-
bre aquela mesa em particular tratavam-se de alguma simpatia.
Suely, sorridente como sempre, me disse, inicialmente, que se
tratava de uma homenagem, mas, em seguida me confidenciou
o que agora lhes contarei.
O Suely’s Café existe há quinze anos, tratou-se da reali-
zação de um sonho, após ter trabalhado como funcionária de
cafeterias, padarias e lanchonetes por muitos anos. Desde en-
tão era seu próprio patrão. Um ano após inaugurar seu comér-
cio, um homem, que ela apenas chamou de “Ele”, começou a
frequentar o lugar às quartas-feiras, perto das dez horas e pe-
dia um expresso pequeno puro. Após beber, pagava o devido,
atravessava a rua e se
dirigia ao mercado em
frente. Ele aparentava
mais de setenta anos
de idade, 1,80 metro
de altura, branco, ca-
belo fartos, grisalhos e
bem penteados, olhos
castanho-escuros, vestia-se elegantemente, mas sem ostenta-
ção; e, em sua mão esquerda uma aliança de casado indicava
bodas de ouro.
Numa quarta-feira indeterminada, aproximadamente no
mesmo horário que Ele, uma mulher que Suely apenas chamou
de “Ela”, entrou em seu estabelecimento pediu um expresso
puro pequeno e sentou-se à uma das mesas. Ela era uma linda
mulata, com lindos cabelos cacheados, olhos negros, 1,65 me-
tro de altura, aparentando sessenta anos de idade e sempre bem
vestida. Naquele dia Ele já estava sentado em outra mesa com
seu expresso. Suely percebeu que ambos se olharam, porém
cada qual seguiu seu rumo após beberem seus cafés. Ele foi ao
mercado e Ela em outra direção.
Outras quartas-feiras se seguiram e Ele e Ela chegavam ao
café quase juntos, pediam suas bebidas e sentavam-se cada um
à sua mesa. Certa vez Suely percebeu que Ela estava um tanto
triste e lágrimas escorriam em sua face. Ele também percebeu
o que acontecia e com toda a educação aproximou-se da sua
mesa e lhe ofereceu um lenço para que enxugasse as lágrimas.
Ela aceitou, limpou as lágrimas e perguntou se Ele não gostaria
de se sentar e acompanhá-la no café, pois era o mínimo que
poderia fazer pela gentileza demonstrada. Ele, um pouco des-
confortável com a surpresa do convite, sentou-se e sem querer
parecer ofensivo, perguntou a Ela se gostaria de desabafar com
um estranho sobre o porquê das lágrimas. Ela pensou um pou-
co e disse que não haveria porque não contar. Suely, atrás do
balcão, onde organizava as coisas também ouviu o desabafo.
Disse que estava casada há mais de trinta e cinco anos e há
cinco seu marido sofrera um acidente e ficara paraplégico; e,
todas as quartas-feiras naquele horário o deixava numa clínica
de fisioterapia, situada na mesma calçada um pouco à frente do
café, onde ele fazia alguns exercícios. Como não havia neces-
sidade de acompanhar o exercício descia até o café e passava
o tempo. Naquele dia em particular, vira algo na rua que a fez
lembrar do tempo antes do acidente e, em como eles eram feli-
zes. E essa saudade a fez chorar.
Ele então contou-lhe que vinha ao café naquele horário e
depois ia ao mercado em frente fazer compras. Sua situação
conjugal não era muito diferente; sua mulher fora diagnosti-
cada com “Alzheimer” e a doença estava avançada. Ele tinha
aposentado, então era sua responsabilidade organizar as coi-
sas em casa e cuidar da esposa, pois, ela, até então, cuidara
muito bem dele. Contratara uma cuidadora, pois, não admitia
colocá-la em uma clínica ou asilo. Ela olhou no relógio e viu
que chegara a hora de buscar o marido, então despediram-se e
seguiram seus destinos.
Muitas quartas-feiras vieram. Ele e Ela, no mesmo horário,
chegavam ao café, faziam seu pedido e conversavam por trinta
minutos. Suely percebeu que aquele momento para os dois era
uma catarse onde se desligavam de suas vidas e conversavam
sobre tudo e sobre nada.
1...,8,9,10,11,12,13,14,15,16,17 19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,...76
Powered by FlippingBook